Casa da Viúva

Algumas das casas abandonadas que já visitei, tinham poucas cartas ou documentos e quando assim é, geralmente torna-se complicado escrever a história do local, mas felizmente esta casa tinha muita papelada. Tirei fotos a muitas cartas, para mais tarde ler e poder ter uma melhor perceção da história da habitação e da família que nela viveu.

Consegui perceber através dos papéis que encontrei, que a mulher da casa, a Sra. Maria, era professora de uma escola feminina e que os filhos, um casal, estudavam num colégio não muito longe. A grande maioria das cartas eram entre a filha mais nova e a mãe, mas encontrei duas escritas pelo filho, também destinadas ao avô, o Dr. Modesto.

O marido da Sra. Maria faleceu na Guerra do Ultramar, que se desenrolou desde o ano de 1961 até 1974. Durante os treze anos de guerra colonial, Portugal mobilizou militarmente o equivalente a cerca de 1% da sua população. Homens portugueses, dos 18 aos 40 anos, iam “às sortes”, expressão associada à inspeção militar, a fim de saberem se estavam aptos ou não para o serviço militar e muitos deles participaram na guerra. Infelizmente, alguns não voltaram.

Apesar de alguns autores indicarem que o número de mortos em combate poder ser considerado relativamente baixo, o impacto da guerra foi forte, sobretudo devido à longa duração do conflito e à dificuldade em perspetivar o seu desfecho.

Maria ficou viúva e também perdeu a mãe alguns anos depois, ficando só ela, o pai e as duas crianças. Os conteúdos das cartas que encontrei geralmente contavam o dia a dia dos filhos no colégio e normalmente acabavam sempre com um pedido, fosse dinheiro ou roupa. A maioria das cartas eram dos anos 70, mas também encontrei duas ou três dos anos 80.

Consta que depois de estudarem, os filhos emigraram para França e que regressavam a Portugal ocasionalmente para ver a mãe, mas após o falecimento da Sra. Maria, a casa ficou ao cuidado de uma vizinha, que alguns anos mais tarde viria a falecer também. Os filhos constituíram família lá fora e não mais voltaram.

André Ramalho

Sou um apaixonado por fotografia e locais abandonados, e por isso resolvi criar este blog, com o intuito de partilhar os meus registos e aventuras.

11 thoughts on “Casa da Viúva”

  1. Boa Tarde.
    Sou colaborador de um jornal e enviei-te um email pois queria propor-te uma parceria.

    Aguardo Resposta.

  2. Mas que interessante passatempo você tem! Apetece-me ir junto, numa dessas aventuras. Adoro locais abandonados e descobrir as historias por detras. Emocionei-me com esta. Mais ainfa por ser uma casa típica da sua epoca. Essa gravura devia ser muito popular a certa altura. A casa dos meus avos tinha uma identica! Quase até ao trabalhado da moldura dourada. As gavetas e armarios verdes da cozinha e o tipo de puxadores: identicos!

    Emociono-me com estas coisas. As fotos sao deslumbrantes. Mas tenho de perguntar: essas flores vermelhas em jarras sao em plastico, nao sao? Falta-lhes o pó! Mas devem ser… até a julgar pela casa dos meus avós. Entre plantas de verdade haviam as artificiais.

    Gostei imenso do conteudo do blogue. Tenho de perguntar também COMO é que entra dentro destas casas abandonadas. Vai entrando e forcando a fechadura (tantas servem de abrigo a pessoas que andam na rua ou foram “devoradas” pelo tempo e pela natureza) ou consegue permissão😁?

    Esta está intocada, isso é uma raridade.

    1. Olá! Sim são flores de plástico, se tivesse tirado uma foto mais perto iria ver que pó não falta 😁 Em relação à forma como entro nos locais… já tive autorização por 2 ou 3 vezes, mas foi em casos muito específicos, porque se é necessário pedir autorização então o local para mim não é abandonado, é sinal que está fechado, ou é cuidado de alguma forma.

      Quando falamos de casas abandonadas à 15 ou 20 anos, perdidas nas aldeias… existe uma grande probabilidade de estarem abertas, ou então de já terem sido abertas… a ladroagem anda atenta. Só entro nos locais que encontro abertos 🙂

  3. Muitos Parabéns pelo trabalho, fotos, pesquisa e enquadramentos… só agora encontrei esta divulgação de locais abandonados mas quase não senti necessária a explicação, a história surgia através das fotos bem conseguidas…Bom trabalho!

  4. Como a Sra. Maria era linda.
    Uma pena que os filhos não puderam cuidar de uma casa tão bela.
    Eu adoro tradições, heranças de família, tudo pra fazer com que as próximas gerações se lembrem dos seus ancestrais.

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